Ano novo, aquele clima de amor e perdão por todos os cantos, então nada melhor começar o ano com uma resenha feliz e bem tranquila,não é? Na verdade, NÃO...NÃO É!


Incidente em Antares - Érico Veríssimo
Páginas: 496
Editora Companhia das Letras

Sinopse: 

Em dezembro de 1963, uma sexta-feira 13, a matriarca Quitéria Campolargo arregala os olhos em sua tumba, imaginando estar frente a frente com o Criador. Mas logo descobre que está do lado de fora do cemitério da cidade de Antares, junto com outros seis cadáveres, mortos-vivos como ela, todos insepultos.

Uma greve geral na cidade, à qual até os coveiros aderiram, impede o enterro dos mortos. Que fazer? Os distintos defuntos, já em putrefação, resolvem reivindicar o direito de serem enterrados - do contrário, ameaçam assombrar a cidade. Seguem pelas ruas e casas, descobrindo vilanias e denunciando mazelas. O mau cheiro exalado por seus corpos espelha a podridão moral que ronda a cidade.

"Desta vez abri a veia da sátira e deixei seu sangue escorrer livre e abundantemente." - Erico Verissimo
                                                                                Skoob


         Rapazes, vamos abaixar nossas cartolas...Senhoras, façam um gesto gracioso...porque Érico Veríssimo é um cara que merece todo nosso respeito e admiração.

         Incidente em Antares pode ser considerado como gênero romance por alguns, mas se ao lê-lo você concordar que é um romance, certamente você não captou a essência do livro.

         Apesar de ser um livro de ficção, o livro contém uma afronta ao autoritarismo,hipocrisia e ao falso moralismo...e quer saber o ano de publicação??? 1971, no auge da repressão do regime militar.

         O livro se divide em duas partes : “Antares” e o “Incidente”.
Confesso que a primeira parte é bem exaustiva, pois conta a história de Antares, uma cidade do Rio Grande do Sul, onde duas familias disputavam pelo poder. Narra toda uma disavença política, golpes, traições até o momento do nosso querido incidente.

         O nosso querido incidente começa quando os coveiros entram em greve e sete personagens morrem e passam um tempo sem serem enterrados. Indignados com o fato de não ‘descansarem em paz’ e com o pouco caso das autoridades locais, os insepultos andam pela cidade espalhando seu mal cheiro e dizendo boas verdades e alguns “segredos” para os cidadãos (que a essa hora já se aglomeravam para olhar o que os ‘mortos’ estavam fazendo de volta).

                        Adultéreo. Crime. Poder religioso. Violência.

Entre os mortos estão:
  • Quitéria Campolargo: a matriarca da cidade, que morreu do coração;
  • Barcelona: o sapateiro anarquista, também vítima de um ataque cardíaco;
  • Cícero Branco: o influente advogado vitimado por um AVC;
  • João Paz: jovem pacifista que foi impiedosamente torturado até a morte pela polícia;
  • Pudim de Cachaça: bêbado envenenado pela mulher;
  • Menandro Olinda: o genial pianista, gravemente deprimido, que se suicidou, cortando os pulsos;
  • Erotildes: prostituta, vítima de tuberculose.


        Sem se importar em sofrer por algum chefe totalitário, ou algum regime militar, agora mortos, criticam toda aquela situação que eram submetidos em vida e todos os descasos sofridos, pois estão livres de qualquer amarra social e não há mais a necessidade de manter as boas aparências.

        A obra de Veríssimo, por conta de possíveis impedimentos políticos, não conseguiu patrocínio, mas mesmo assim, o livro não foi barrado devido ao prestígio de Érico e da grande jogada de marketing por trás da publicação.

        ‘Incidente em Antares’ é aquele dedo na ferida. Uma forma de garantir uma verdadeira liberdade de expressão longe de medos dos poderosos senhores que vivem uma conduta nada condizente com o que pregam...e mais,longe de toda aquela necessidade de fazer um papel,uma encenação, na sociedade.

              - Simples. Descemos juntos pela Rua Voluntários da Pátria ruma da Praça da República. Lá nos dispersaremos, cada qual poderá voltar à sua casa... Para isso teremos algumas horas. O essencial (prestem a maior atenção!) é que quando o sino da matriz começar a dar as doze badaladas do meio-dia, haja o que houver, todos devem encaminhar-se para o coreto da praça, sentar-se nos bancos em silêncio e ficar à minha espera.                                                      - E que é que você vai fazer? - quer saber João Paz.                                 - Vou primeiro à minha casa buscar uns papéis importantes... Depois me dirigirei à residência do prefeito para lhe entregar um ultimato verbal... ou nos enterram dentro do prazo máximo de vinte e quatro horas ou nós ficaremos apodrecendo no coreto, o que será para Antares um enorme inconveniente do ponto de vista higiênico, estético... e moral, naturalmente."



Curiosidade: Foi dirigida uma minissérie de ‘Incidente em Antares’ nos anos de 1994, pela Rede Globo.